8.9. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
O instituto da personalidade jurídica é incidente processual que permite que os efeitos das obrigações de cumprimento das sanções aplicadas no PAR sejam atribuídos diretamente aos sócios ou administradores de uma pessoa jurídica utilizada com abuso de direito, sendo medida excepcional.
Assim, ao permitir que os efeitos de obrigações oriundas da aplicação de sanções aplicadas à sociedade empresária se estendam aos sócios, esse instituto equilibra o princípio da autonomia patrimonial com a necessidade de proteger os credores e coibir o cometimento e acobertamento de fraudes. Ressalta-se, neste contexto, que a autonomia patrimonial, embora importante, não é um princípio absoluto e imutável.
O abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, é o fundamento básico da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, conforme disposto no art. 50 do Código Civil.
Existem duas principais teorias para justificar a desconsideração da personalidade jurídica. Apresentam-se breves conceitos:
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- Teoria menor: A desconsideração é admitida quando há abuso da personalidade jurídica em detrimento de terceiros, como consumidores ou credores.
- Teoria maior: A desconsideração é admitida quando há desvio de finalidade da pessoa jurídica ou confusão patrimonial entre a pessoa jurídica e seus sócios, sendo estes dois critérios caracterizadores do abuso de direito.
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No âmbito da Lei Anticorrupção, admite-se a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica quando a pessoa jurídica for utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração.
O Decreto Estadual nº 48.821, de 2024, dispõe no art. 34, §§ 1º e 2º, sobre a desconsideração da personalidade jurídica:
§ 3º – Os administradores e sócios com poderes de administração poderão recorrer da decisão que declarar a desconsideração da pessoa jurídica, observado o procedimento disposto no art. 29.
Portanto, são exigidos dois critérios independentes (não cumulativos) caracterizadores do abuso de direito para a desconsideração da personalidade jurídica:
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- confusão patrimonial; ou
- facilitação, dissimulação ou acobertamento dos atos ilícitos praticados pela pessoa jurídica.
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A extensão dos efeitos das sanções aos administradores e sócios com poderes de administração tornam estes corresponsáveis pelo pagamento da multa aplicada à pessoa jurídica sancionada, observado o contraditório e a ampla defesa (art. 14 da Lei 12.846, de 2013, in fine), para que, incidentalmente no curso do PAR, possam sucitar a não ocorrência do abuso de direito, a fim de evitar que sobre si recaiam tais obrigações.
Assim, quando a Comissão Processante identificar situação de possível abuso de direito, também deverá notificar os administradores e sócios com poderes de administração, não para que estes se defendam em relação à acusação contra a pessoa jurídica processada, mas sim para comprovar que não houve uso da personalidade jurídica para provocação de confusão patrimonial e/ou dissimulação, facilitação ou acobertamento dos ilícitos praticados.