6.3.2 SUJEITO ATIVO DO ATO LESIVO
Sujeito ativo é a pessoa jurídica que pratica o ato lesivo à Administração Pública. Nos termos do caput de seu art. 1°, a Lei n° 12.846, de 2013, “dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira”. Em seguida, o parágrafo único enumera as pessoas jurídicas sujeitas às sanções estabelecidas na Lei:
Art. 1° [...] Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta Lei às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.
A Lei é, portanto, aplicável a uma ampla gama de pessoas jurídicas, e não apenas às sociedades empresárias. Incluem-se no rol, por exemplo, as fundações, as associações e as entidades sem fins lucrativos. Estão sujeitas também as sociedades constituídas de forma irregular e as sociedades de fato (não personificadas). Embora essa matéria seja objeto de discussão doutrinária, parte dos autores276, valendo-se de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, entende que o rol do parágrafo único é exemplificativo, podendo incluir figuras que, embora não mencionadas expressamente pela Lei, são definidas pelo Código Civil como pessoas jurídicas277, tais como:
-
-
- Organizações não Governamentais (ONGs), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP);
- Cooperativas de produção e consumo;
- Partidos políticos;
- Institutos e associações abertas ou fechadas (sindicatos, confederações, federações);
- Planos de saúde, abertos ou fechados, personificados ou não;
- Fundações públicas e privadas, constituídas como pessoa jurídica de Direito Privado;
- Empresas públicas e sociedades de economia mista278.
-
Modesto Carvalhosa observa que, ainda que se trate de empresa pública ou sociedade de economia mista, os atos lesivos são praticados por pessoas jurídicas na posição de particulares. O autor cita a Petróleo Brasileiro S/A – PETROBRAS, uma vez que, como sociedade de economia mista, é controlada pelo Estado, mas opera como pessoa jurídica de Direito Privado se relacionando com o Poder Público279. Nessa qualidade, caso um funcionário ou um dirigente de uma estatal pratique um ato lesivo contra a Administração Pública nacional ou estrangeira, a pessoa jurídica em questão deverá ser responsabilizada com fundamento na Lei Anticorrupção.
Destaca-se o entendimento da Advocacia-Geral do Estado – AGE, expresso no Parecer nº 123, de 2018, segundo o qual a Lei nº 12.846, de 2013, não se aplica ao empresário individual. Esse também é o entendimento da CGU, contido na Exposição de Motivos do Enunciado CGU n° 17, de 2017. Em síntese, argumentou-se que o empresário individual não é pessoa jurídica, pois, não está enumerado no rol estabelecido no art. 44 do Código Civil, sendo apenas pessoa física equiparada a pessoa jurídica simplesmente para fins de registro no CNPJ e recolhimento de impostos280. Nesse sentido, também foi editada a Súmula nº 4 da CGE/MG:
Súmula nº 4: A Lei Federal nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, não se aplica ao empresário individual e ao microempreendedor individual – MEI, o que, entretanto, não afasta a responsabilização e a aplicação de sanções previstas em normas gerais e específicas de licitações e contratos.
Em que pese a inaplicabilidade da Lei Nacional nº 12.846/2013 ao empresário individual, permanece a competência de cada órgão e entidade do Poder Executivo de apurar eventual infração às demais normas aplicáveis, como a Lei Federal nº 8.666/1993, Lei Federal nº 13.303/2016, Lei Federal nº 14.133/2021 e demais regras específicas estabelecidas contratualmente. |
Quanto ao antigo EIRELI e a atual SLU, releva mencionar que, com a edição da Lei Federal nº 14.195, de 2021, todos os Empresários Individuais de Responsabilidade Limitada – EIRELI automaticamente passaram a ser Sociedade Limitada Unipessoal – SLU.
Posteriormente, a EIRELI foi excluída do rol de pessoas jurídicas previsto no Código Civil, por meio da revogação do inciso VI do art. 44 daquele diploma legal, pela Medida Provisória nº 1.085, de 2021, convertida na Lei Federal nº 14.382, de 2022.
Assim, apesar da revogação do inciso VI do art. 44, o EIRELI passou a ser Sociedade, preservando sua natureza de pessoa jurídica, enquadrada, desta feita, na previsão do inciso II do art. 44, do Código Civil, o qual não faz distinção entre sociedades unipessoal e plural.
Logo, a Lei Federal nº 12.846, de 2013, continua aplicável ao antigo EIRELI, atual SLU, permanecendo válida a Súmula nº 3 da CGE/MG:
Súmula nº 3: A Lei Federal nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, aplica-se à empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI.
Observa-se, portanto, que as pessoas naturais não estão sujeitas às sanções da Lei n° 12.846, de 2013. O art. 3°, ao dispor que a responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de pessoas naturais que tenham praticado ou participado do ilícito não as insere como sujeitos do PAR, mas apenas reserva a possibilidade de sua responsabilização, na medida de sua culpabilidade, nas instâncias civil e/ou criminal.
Assim, somente pessoas jurídicas podem praticar os atos lesivos estabelecidos nesta Lei, o que não se confunde, entretanto, com a possibilidade de extensão dos efeitos das sanções aplicadas a empresa, por meio da desconsideração da personalidade jurídica, às pessoas físicas com poderes de administração que a utilizam com abuso de direito, caracterizado pela facilitação, acobertamento ou dissimulação da prática dos atos ilícitos previstos no art. 5º ou pela confusão patrimonial.
Neste caso, estas pessoas físicas não são sancionadas, mas ficam coobrigadas pelo cumprimento das sanções aplicadas à pessoa jurídica condenada, lhes recaindo os efeitos da responsabilização, observado o contraditório e a ampla defesa, para que, de modo incidental no curso do PAR, possam sucitar, em sua defesa, a não ocorrência das situações que configuram o abuso de direito, demonstrando a não ocorrência de uso da personalidade jurídica para facilitação, acobertamento ou dissimulação da prática de ilícitos previstos na LAC e/ou confusão patrimonial, a fim de evitar que sobre si recaiam os efeitos da extensão das sanções aplicadas à pessoa jurídica.
Tal procedimento, portanto, não converte o PAR em instrumento de persecução de responsabilização subjetiva, eis que pessoa física não é sujeito ativo de ato lesivo.
Deve-se destacar, ainda, o fato de a responsabilização de pessoa jurídica não estar vinculada à apuração da responsabilidade de servidores públicos eventualmente envolvidos na prática lesiva. Sobre isso, observa-se que nem sempre haverá a participação de um agente público no ato lesivo. Embora a Lei vise coibir condutas relacionadas à corrupção, que pressupõem um agente público que é corrompido por um agente privado, outros atos lesivos previstos na Lei podem ser praticados exclusivamente por pessoas jurídicas. É o caso, como se verá adiante, de determinadas fraudes em licitações e contratos.